O ano de 2016 certamente estará
marcado em toda a história política brasileira pela enorme reviravolta na
conjuntura que nos apresentou em tão pouco tempo, óbvio que carregando
elementos que transcendem esse recorte específico, mas onde se encaixa o
estopim e a ruptura de uma enorme crise política, cujos desdobramentos ainda
não se sabe onde poderão chegar.
Mas quero aqui redirecionar o
espectro de análise da conjuntura para movimento estudantil, e sua resposta à
esse momento. Nesse caso tanto 2016 quanto 2017 são anos marcantes,
individualmente em minha vida tenho certeza, mas imagino que também na
militância estudantil e dos movimentos sociais de esquerda e progressistas como
um todo. E aqui quero falar sobre a vitória da Chapa "Todas As Vozes"
no Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília, que é o maior
marco representativo disso, e se trata também de uma ruptura que demarca o
ápice de todo um processo que não se inicia agora e tampouco está encerrado.
Para melhor compreender o
desenrolar dos fatos precisamos voltar até 2011, ano em que um grupo local de
estudantes liberais, denominado de Aliança Pela Liberdade, venceu as eleições e
passou a dirigir o DCE-UnB. Desde então foram pouco mais de 5 anos de gestões
que notadamente inverteram a lógica do movimento estudantil, desestimulando o
debate político e transformando essa entidade tradicional e histórica da luta
dos estudantes em uma espécie de "gerência estudantil", calcados sob
um discurso liberal de universidade, que pouco preza pela defesa de seu caráter
gratuito, crítico, emancipador e que, ao contrário do que defendeu o
idealizador da Universidade de Brasília, Darcy Ribeiro, levantava um projeto de
Educação Superior muito mais voltada ao tecnicismo, à formação de excelência de
uma mão de obra preparada para o mercado, uma visão individualista e
mercadológica.
As sucessivas derrotas da
esquerda no DCE-UnB se deram por inúmeros motivos, e cada momento tem suas
próprias razões de acordo com os elementos de seu próprio tempo, mas certamente
um elemento análogo a todos esses anos foi o enraizamento do discurso
anti-politizador e liberal entre os estudantes e a dificuldade da esquerda de
se unir em torno de um projeto que se contrapusesse a essas ideias, pelas
divergências que são naturais entre as várias vertentes da esquerda, e que em
essência não devem ser vistas como um problema, visões e métodos diferentes
sempre existiram em qualquer postura ideológica que se assume.
Mas o grande fortalecimento dos grupos liberais já preocupava cada vez mais os campos da esquerda, que há alguns anos vinham dialogando e tentando diminuir as barreiras para a construção da unidade. Até que no ano de 2016 vivenciamos um grave processo de brutal ruptura das instituições democráticas no Brasil, com um golpe de estado que destituiu uma presidenta da República, seguido de uma agenda de retrocessos e ataques à direitos estudantis e trabalhistas e uma inversão do papel do estado brasileiro. Esse novo contexto levou os estudantes a terem papel protagonista na resistência em defesa da democracia e dos direitos conquistados.
A Universidade de Brasília foi
fortemente marcada por esses processos de resistência. Desde a construção do
Comitê em Defesa da Democracia, o Festival "Inquietação Pela
Democracia", inúmeras assembleias, passeatas, debates, mobilizações que
reacenderam a chama da organização estudantil e consequentemente aproximaram
todos os campos da esquerda na luta cotidiana, no dia-a-dia da construção das
atividades, e num companheirismo que estabeleceu uma relação respeitosa entre a
militância. Todos esses elementos, somados à necessidade urgente da resistência
contra os ataques à nossos direitos, foram os definidores de um processo de
unidade que se iniciou no apoio à candidatura vitoriosa da professora Márcia
Abrahão para reitoria, que também se contrapunha a um projeto mais conservador
de universidade conduzido pelo ex-reitor Ivan Camargo já muito criticado pelos
estudantes, e que teve prosseguimento na eleição do DCE e certamente marcou o
movimento estudantil, não só na UnB, mas no Brasil.
O grande saldo positivo do desenrolar desses fatos, para além da derrota de um projeto neoliberal e despolitizador de universidade, foi a demonstração prática de que é possível construir ações objetivas em defesa dos estudantes, da universidade pública e mesmo de um projeto de sociedade, respeitando as divergências metodológicas e mesmo de cunho de análise teórica das diferentes vertentes da esquerda. A convivência na construção da luta demonstrou que muito de antigos preconceitos retroalimentados pelas disputas do movimento estudantil se tornam inócuas quando não estão no centro das decisões, mas que no contrário, quando se tem um programa claro, construído a todas as mãos, que norteie a ação do coletivo, os estigmas e atritos se tornam menores.
Pois bem, não é novidade pra
ninguem que esse processo foi longo e demandou o esforço e maturidade que todos
coletivos políticos e estudantes identificados com o projeto da Chapa
"Todas as Vozes" conseguiram alcançar. Participaram da chapa diversas
agremiações políticas de juventude, ligadas ou não à partidos de esquerda, além
de um grupo local que se autodenomina "Articulação e Resistência",
fundado no desenrolar da luta contra o golpe e reúne estudantes que não se
organização em organizações políticas nacionais, e também de estudantes que se
dedicaram à proposição do programa e da organização da campanha, mesmo sem
estarem em qualquer coletivo.
A bandeira da UNE hasteada no DCE e que esteve nas camisas ou nos punhos da militância em toda a campanha demonstram também como essa entidade de 80 anos é importante para a construção da unidade da esquerda no Brasil. Individualmente não tenho dúvidas que a eleição de 2016 do DCE-UnB foi um grande aprendizado para mim, especialmente sobre amplitude e diálogo. Espero também que coletivamente todas organizações políticas e militantes e sobretudo a União Nacional dos Estudantes, em Brasília ou no Brasil aprendam com isso. Com maturidade e respeito é possível vencer nos momentos que exigem unidade.