quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Ensaio sobre a liberdade de amar.

       

  Liberdade e amor. Talvez sejam essas as aspirações mais desejadas pela humanidade. Ainda que nas formas mais perversas, ou se quer ser livre ou se quer amar e ser amado. O dinheiro dá liberdade (mesmo que falsa), o poder nos dá sensação de sermos amados (ainda que não seja amor verdadeiro). Mas são também esses os sentimentos mais distantes de serem compreendidos e plenamente alcançados, durante tantos séculos de busca, sempre pesaram sob nós os grilhões da tradição, da moralidade, dos valores baseados na propriedade e nas relações de produção, mas ainda assim encontramos quem se esforce para romper as correntes e voar rumo ao infinito onde não haverá limitações sobre amar e ser livre.

Ser livre, amar e ser amado são condições que perpassam muitos dos aspectos da vida e das relações humanas, dentre eles as relações sexuais e afetivas. Esse seja talvez um dos principais elementos da felicidade humana, pois combate um dos maiores males que nos pode afetar: a solidão; e assim através da companhia nos dá o prazer daquilo que torna as coisas da vida e da natureza mais belas: o compartilhamento. E isso poderá estar imerso numa boa dose de afeto, prazer, carinho e tesão, atributos que dão sentido à beleza de se viver, e vivendo, de sentir.

Mas obviamente, mesmo nossos desejos mais puros, os elementos mais belos dos sentidos e da natureza tendem a ser regulados, nas relações humanas, pelas condições históricas e sociais. Por isso desenvolveu se uma determinada forma de amar e ser amado. A história da família e da propriedade bem explicam como se chegou ao domínio moral e cultural da monogamia no ocidente, como se arrasou a possibilidade da liberdade no amor e se enquadrou em paredes quase intransponíveis a forma com que os homens e mulheres deveriam se relacionar.

Houveram tempos em que essas paredes não existiam, em outras ocasiões talvez fossem paredes em outros formatos. Mas o fato é que há séculos estamos enclausurados nessa forma quadrada de amar. Aos poucos vão surgindo novas possibilidades, novas experimentações e diferentes formas de se relacionar. Infelizmente o concreto que dá suporte às paredes que nos esmagam são fortes demais para que a sociedade reconheça o amor em sua essência, e estreitas o suficiente para que nós mesmos, que queremos rompê-las, tenhamos dificuldades em saber por onde sair.

Mas de uma maneira ou de outra, a gente se aperta, chega pra lá, volta, para, vai em frente e aos poucos vai se libertando dessa maldição. Assim eu pude chegar a algumas conclusões: o amor é múltiplo e fluído, tem significados transcendentais e só pode se exercer por completo se assim estiver acompanhado da liberdade.

A solidão é a antítese. A busca pela companhia é a tese. O relacionamento é a síntese. Durante muito tempo não consegui compreender que diáletica não é o mesmo que dualidade. É justamente a mudança, é o sólido que se desmancha, é o todo e não o específico. São as múltiplas possibilidades. Será possível amar várias pessoas? E distribuir sua atenção, seu afeto, sua sinceridade a todas elas? É inexplicável, intangível. Por isso o amor é fluído e transcendental, por isso não pode ser classificado, não pode ser alcançado, só pode ser sentido, de múltiplas maneiras. É atemporal, vai e vem, é e depois não é, e um dia muda. Não tem espaço, ultrapassa qualquer lugar.

Mas ainda assim existe a solidão. O que é o ciúme se não o medo de ser abandonado e uma forma instintiva de se proteger. A vontade de a cada momento querer sentir provado o afeto por ti, o querer ser único, fazer a diferença e ser buscado por alguém. Quem de nós não quer ser lembrado por outra pessoa como alguém indispensável? Mas ser único, talvez não seja ser exclusivo. E pode até ser que se queira exclusividade. Mas e depois? O futuro pode nos reservar encontros inesperados, e já não existe mais exclusividade para nós. O que se espera então daquela outra pessoa que já lhe amava?

O respeito deve ser para nós muito mais do que o orgulho. Nosso sentimento deve ser muito mais real do que o orgulho. Devemos nos permitir a sentir o que realmente queremos e sermos felizes assim. Precisamos acreditar que o valor do amor é muito maior do que o da exclusividade ou da preferência, precisamos acreditar que exista no amor várias formas de dedicação e afeto, e assim acreditar no amor que sentem por nós. E acreditar nisso é ser livre para amar sem preocupações e sem restrições e entender que ser amado é o suficiente para não estar só.

Mas amar é também compreender que o amor sempre será plural. E que amar é querer bem e é querer livre quem se ama. Por isso não se basta que o amor satisfaça só a nós mesmos, é preciso romper a barreira do egoísmo e compreender o amor e a liberdade como algo que só se atinge coletivamente e isso se trata de responsabilidade. Porque ainda que o amor e a liberdade sejam os sentimentos mais preciosos, podem também ser os mais perigosos. Então se se ama e quer ser livre é preciso ser cuidadoso, consigo e com quem ama.

O amor e a liberdade estão além do que conseguiu chegar a compreensão humana até agora. Mas é certo que cada um deva exercitar o seu amor de acordo com a sua própria liberdade e vontade, desde que compreenda sempre sua relação dialética. Assim quem sabe, pra além da afetividade, possamos cada vez mais amar a humanidade e lutar pela liberdade, sendo felizes por não estarmos sozinhos e dando sentido às nossas vidas com as emoções mais puras.

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